Publicado no Diário Popular em 5 de dezembro de 2013
Meu primo tinha um kart, esses carrinhos de corrida. Quatro ou cinco amigos formavam a equipe: o assador, o encarregado das bebidas, outro pra tocar o violão nos acampamentos, o mecânico e o piloto. Era permitido acumular funções (na hora da pane, todos empurravam), menos a de piloto que era, invariavelmente, esse meu primo. Disputou prova na APA (Associação Pelotense de Automobilismo) e tudo. Já tem tempo, isso. Bons tempos!
Atualmente o Luiz é amante não
praticante da velocidade, mas naqueles bons tempos, relembrados aí no primeiro
parágrafo, ele assumia o volante com gosto, habilidade e empenho, não importando
o fato de que em toda sua curta carreira de piloto tenha trazido apenas um
troféu para sua cidade, Pedro Osório. Vou contar:
Rally da Cidade de Piratini, final
da década de 80. Categoria Open, regularidade. Qualquer automóvel se
transformava em carro de prova. No nosso caso, aqui, uma camionete Ford Pampa. O
certame aconteceria durante todo o dia de domingo, mas a equipe – o Luiz de
piloto e o Fabrício Alam, hoje um respeitado cirurgião em Santa Catarina, na
função de navegador – chegou sábado sem ter feito a inscrição. Piratini,
naquela noite, era como um radiador sem a ventoinha: fervia. Milhares de jovens
tomaram conta das ruas. Motos e carros exibindo seus possantes motores. Bares
cheios. Na mesa de um desses bares a nossa dupla traçava estratégias para a
disputa. O piloto bebia suco; o navegador, cerveja. Tiveram poucas horas de
sono, usufruídas dentro da carroceria da camionete, mochilas como travesseiros.
Quando os primeiros raios de sol surgiram aquecendo a cidade histórica, os
guris de Pedro Osório estavam prontos, ou quase.
Trinta minutos antes
do início do rally e lá foram eles tentar uma inscrição de última hora. Depois
de muito cavaco, conseguiram um lugar no fim da fila de arrancada. Um fiscal de
largada dava a autorização. Em intervalos de um minuto os carros, um a um, saiam
lavrando a estrada de chão batido. Quarenta minutos após o primeiro carro
largar, a Pampa verde-água arrancou levantando poeira. O navegador, olhos fixos
para dentro de si e cabeça atirada para trás, disputava o ronco com o motor a
álcool. O piloto, pé no fundo. A cada curva ou solavanco o navegador
despertava, dava uma olhada na prancheta, consultava o odômetro, bocejava, apontava
um competidor à frente e orientava: - Ultrapassa! Ultrapassa! - e caía no sono
novamente. Terminaram a primeira etapa em vigésimo segundo lugar, e só então
descobriram que tinham que chegar na mesma posição de largada, pois a prova era
de regularidade. Voltaram para Pedro Osório no negativo. Mas, como eu disse,
trouxeram um troféu. Sim! O mesmo que levaram na bagagem, uma taça dourada
conquistada pelo time de futebol do Fabrício em um torneio local meses antes. Com
o navegador na caçamba da camionete, troféu erguido acima da cabeça, a equipe adentrou
a cidade e desfilou pelas ruas centrais na Pampa numerada com fita crepe. Um comerciante, patrocinador da equipe,
exultava em frente ao seu trailer de lanches: - Ganhamos! Ganhamos! E pagava
rodada para os clientes presentes. O povo nas ruas, orgulhoso da dupla,
aplaudia. Difícil, mesmo, foi desfazer a galhofada antes que o jornal local
publicasse a façanha.